AFINIDADES ELECTIVAS

TEATRO O BANDO

ESTRUTURA CONVIDADA 2019-2020 

AFINIDADES ELECTIVAS


Miguel Jesus, encenador e dramaturgista de O Bando, apresenta-se e fala sobre o que desde o ano passado tem acontecido entre O Bando e o TODOS: um encontro feliz entre projectos que partilham uma espécie de mesma relação com o território e com as pessoas.


Texto de Sarah Adamopoulos 

Fotografia de Rosa Reis



Se há uma coisa que Miguel Jesus (n. 1984) sempre fez foi escrever. Hoje em dia, quando está em processo criativo com João Brites, Miguel leva por vezes para esses diálogos o facto de ele (João) ser artista plástico e de ele (Miguel) ser escritor. “Ambos somos encenadores, mas é normal que as abordagens e os caminhos sejam diferentes. O ponto de partida é diferente. A minha primeira relação foi com as palavras e, particularmente, com a poesia”. O teatro é, nesse sentido, aquilo a que chama “uma coincidência feliz”. Porém, não uma coincidência qualquer, antes “uma coincidência que tem mais a ver com O Bando do que com o teatro em si mesmo.”


Formado em Artes do Espectáculo (pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa), Miguel Jesus, que também é músico, esteve durante muitos anos focado mais na música e na escrita do que no teatro. Mas depois aconteceu o encontro com O Bando: “Eu já conhecia O Bando como espectador, e havia ali qualquer coisa que eu não conseguia explicar, uma coisa irresolúvel nos espectáculos do Bando, que me encantava e que era muito cativante”. Algo que era inexplicável mas que soava muito certo: “a aproximação a uma coisa mais antropológica, a aproximação a uma coisa mais rural (e não ruralista) também, no sentido de haver uma proximidade com o presente e com a terra e com a matéria e até com a sujidade – e isso foi sempre algo que me interessou, a sujidade na arte”.


Miguel foi então estagiar para O Bando. E o seu primeiro trabalho foi como assistente de encenação de João Brites. E o encenador não apenas ouviu como levou para dentro dos seus espectáculos as ideias de Miguel, “um puto que tinha acabado de chegar”, no que veio a demonstrar ser um saudável modo operativo de simples e genuina abertura dos processos artísticos a outras gerações, cabeças e suas ideias. “No Bando temos um conceito a que chamamos singularismo – uma plataforma de colisão de pontos de vista, para fazer irradiar uma coisa que é menos expectável e controlável, ou até mesmo muito pouco controlável. E assumimos em direcção artística que essa falta de acordo às vezes é boa, que a pluralidade de pontos de vista é interessante para o espectador”. Miguel pensa que o seu crescimento junto de João Brites se realizou “tanto por sintonia como por dessintonia”, e defende absolutamente essa “necessidade de conseguirmos argumentar em volta de uma ideia”. Porque, disse, “esse exercício de questionamento obriga a criar um lugar de consciência, obriga à dialéctica”.


O Bando no TODOS – e vice-versa

A colaboração de O Bando com o TODOS tem desde logo uma dupla vertente: no plano simbólico (e o símbolo não é aqui mera representação), constitui um regresso de O Bando a Lisboa; no plano estético, é um encontro de vontades sintónicas, em que não apenas a primazia dada ao processo de construção dos espectáculos e ou outras intervenções é programática, como também a proximidade com a comunidade é central. Uma parceria que assentou inicialmente em pontes que

tiveram de ser construídas muito depressa. “No ano passado a nossa intervenção teve de ser muito rápida, tentando contactar com o máximo de comunidades, baseando-nos naquilo que era uma espécie de património artístico do Bando que podia caber no eixo estruturante da interculturalidade”.


Este ano aconteceu algo parecido com o oposto: uma contaminação entre o TODOS e O Bando. “Ao termos feito o TODOS no ano passado, o nosso planeamento inicial para 2020 ficou alterado. As pessoas com quem trabalhámos, os conceitos que traçámos, alteraram não apenas o nosso plano de trabalho como também a nossa relação com o TODOS. Desde o ano passado que temos estado a fazer o TODOS em Palmela. Os próprios elencos com que temos estado a trabalhar foram as pessoas que estiveram connosco no TODOS no ano passado, com quem tivemos experiências muito fugazes mas que este ano estiveram a trabalhar connosco, nalguns casos durante três ou quatro meses. E portanto 2020 tem sido o ano TODOS de O Bando. A primeira refeição que este ano partilhámos em Vale dos Barris [uma tradição de O Bando] foi um encontro com as pessoas que fizeram o TODOS em 2019. Quem cozinhou foi a Ricardina, do Bairro da Torre [em Loures] que esteve connosco no ano passado a cozinhar para o TODOS no Largo da Graça.”


"O TODOS tornou-se portanto de alguma forma um novo motor daquilo que O Bando também tem sido, através do nosso trabalho comunitário (o teatro é um pretexto para estarmos juntos, e estar juntos transforma-nos), porque quando nos abrimos ao outro, inevitavelmente experimentamos a interculturalidade, porque no Mundo em que vivemos é impossível que isso não seja um fenómeno intercultural. É no contacto com essa diversidade e essa diferença que eu me torno mais capaz de me construir e que a minha identidade se torna mais completa.”


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Por causa de a programação de 2020 de O Bando ter sido construída em torno da experiência no TODOS em 2019, o conjunto de espectáculos e intervenções de O Bando nesta edição tem a inescapável e inspiradora marca da interculturalidade. Num ermo urbano algo inóspito e habitualmente deixado na sua sombra e sossego, Antes do Mar vai apresentar-se com um elenco multicultural e uma temática que interpela os movimentos migratórios da Humanidade ao longo do tempo: Hélia Correia escreveu sobre as migrações em sentido largo (expulsões de deuses na Antiguidade, mexicanos a tentar entrar nos EUA, sírios a chegar à costa grega, etc.). Essas palavras vão ser sopradas para dentro dos ouvidos dos espectadores através de auscultadores. Um Pouco Mais à Frente são nove pequenos-grandes objectos documentais que encenam o encontro de cada espectador com as personagens de Antes do Mar, que desta feita transportam dentro de si palavras reais com histórias de migração de pessoas que foram entrevistadas pelo Bando – cada apresentação destina-se ao espectador individualmente tomado, ou em casal, ou em família desde que próxima, segundo as regras da DGS e sempre à distância regulamentar de segurança.Movimento Zebra é o título de um documentário sobre um projecto comunitário realizado pelo Bando em Setúbal e é também o título de um novo projecto que, construído no presente território do TODOS e que terá lugar no jardim do Museu da Água. Num País Distante é apresentado como um manifesto artístico de uma personagem que vai estar isolada no alto de uma estrutura-casa ao longo de todo o Festival, e cuja intervenção (aparições-performance) será determinada e evoluirá em consonância com o teor das mensagens que o público lhe for enviando. Razões de sobra para não querer perder os contributos criativos cheios de engenho e arte de O Bando para esta edição do TODOS em tempo de pandemia. Uma lição sobre como estar juntos sem a habitual proximidade física. | S. A.


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